Aos 95 anos Ermelindo Ávila fala a Ilha Maior sobre o passado, o presente e o futuro do Pico. O escritor, investigador e historiador, que ao longo de décadas assinou vários contributos para melhor se conhecer a ilha, olha com tristeza para o presente e o futuro do Pico devido à falta de investimentos que suportem o desejado crescimento e afirma que os jovens têm de se assumir como protagonistas no amanhã da ilha.
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O que o motiva a escrever diariamente?EA: Principiei a escrever muito cedo. Talvez não tivesse a real consciência daquilo que estava a fazer.
Comecei a escrever em 1932 com 15 anos. Quem recebeu os meus escritos foi o padre Xavier Madruga que os publicou no jornal “O DEVER” e nunca mais deixou de os publicar.
Foi um bichinho que me mordeu e desde então tenho continuado a escrever.
Reformei-me depois de 46 anos de serviço. Com 46 anos de serviço adquire-se um hábito de trabalhar. No dia seguinte à minha reforma, com 70 anos, sentei-me à secretária e continuei a trabalhar.
Curiosamente fui aconselhado por alguns médicos a escrever, adiantando que esse trabalho dava saúde.
Escrevo sem projectos, mas sobre o que vai aparecendo.
Olhando para a sua ilha, qual a análise que faz do Pico?
EA: Vejo o Pico com uma certa tristeza. O Pico vive melhor porque tem outras actividades mas tem uma grande falha na juventude. O Pico não tem juventude porque a juventude caminha e não volta. Isso é que é o grande mal do Pico.
Quem é que vai continuar o Pico? Já pensaram?
Vêm três/quatro pessoas de fora dar aulas nas escolas. Quase nem convivem com as pessoas de cá. Vão-se embora. Os de cá também se vão embora e são os velhos que vão ficando. O Pico precisa criar novas actividades e incentivos para que a juventude que sai para estudar volte e possa cá fixar-se. Isso é essencial.
É preciso repensar bem o futuro?
EA: É preciso repensar com muito cuidado o futuro e ter a certeza de que se não tomarem medidas drásticas imediatas daqui a uma dúzia de anos podem fechar a ilha.
Como se pode inverter essa tendência?
EA: Como atrás disse, criando actividades e investimentos, tal como se faz nas outras ilhas.
Fala-se muito que o Pico é a ilha de futuro…
EA: É uma ilha de futuro pelo tamanho que tem, mas não pelas suas actividades.
Tem havido uma melhoria ou uma inversão das coisas?
EA: Os que vivem no Pico vivem relativamente bem. No meu tempo não se estudava fora. Eram raros os que iam estudar para o Liceu e raríssimos os que iam para a universidade.
Hoje toda a gente acaba o 12º ano e vai para a universidade e depois escolhem cursos do seu agrado, alguns deles sem oferecerem colocação.
Não podem escolher os cursos que gostam. Têm de escolher os cursos que dão colocação futura. Nunca escolhi o trabalho que ia ter.
Escolhi o que me dava rendimento, fosse ele qual fosse. Também gostava de ter sido advogado mas não fui. As escolas nisso têm um papel fundamental. Devem orientar e não só ensinar. Sabemos que algumas freguesias têm evoluído, mas é pouco.
A população está a diminuir a olhos vistos. Já tivemos 35 mil habitantes e hoje não chegamos a 15 mil. No entanto, parece que temos 10 mil veículos. Isto implica um desgaste, num futuro próximo, da economia e da actividade.
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Analisando o seu concelho antevê um futuro risonho?
EA: Não o vejo com perspectivas de desenvolvimento. Há localidades a desenvolverem-se mais do que outras mas é um desenvolvimento aparente. Antigamente havia o regresso de muitos emigrantes que adquiriram muitas propriedades. Hoje eles já não voltam e os terrenos estão abandonados.
O concelho, à semelhança de outros, tem perdido pessoas e sobretudo alguns serviços…
EA: Pois perderam. Se perderam serviços perderam pessoas. Deixou de haver um elo de ligação.
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O whale watching não pode ser um importante pólo dinamizador do desenvolvimento das Lajes?
EA: Não, porque não está organizado devidamente. As pessoas vêm aqui de visita, vêem as baleias e vão embora. O que é que eles deixaram?
Deixaram apenas ao operador o dinheiro da viagem. Se houvesse novos estabelecimentos hoteleiros que os recebessem e que eles se mantivessem cá por alguns dias, era diferente. Assim não.
É preciso trazer gente para as Lajes e para o Pico?
EA: É importante fixá-la ou pelo menos mantê-la durante algum tempo. A própria restauração e a hotelaria têm de ser modificadas.
Julgo que as residenciais são um erro e nem todos aproveitam o turismo rural. A vinda de meia dúzia de casais durante o Verão não resolve o nosso problema. Os turistas necessitam ter hotéis que os recebam porque os estrangeiros não conhecem os estabelecimentos com a designação de residenciais. No estrangeiro estive em hotéis inferiores às residenciais que aqui temos, no entanto eram classificados de hotéis.
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O estatuto de património da UNESCO da Vinha do Pico e da eleição das 7 Maravilhas Naturais da Paisagem Vulcânica do Pico podem dar um empurrão ao desenvolvimento?
EA: Não queria ser maldizente. Quando foi da Autonomia concordei que se acabasse com os distritos porque as ilhas capitais eram um travão ao desenvolvimento das outras ilhas. Desenvolviam as sedes dos distritos e as outras ficavam paradas no tempo. Acabaram-se os distritos, mas não houve mudança.
O projecto, naquela altura, era um governo rotativo com uma delegação em cada ilha e cada ilha ia desenvolver-se a si própria. O que aconteceu foi uma centralização em São Miguel e em parte outra na Terceira. Até o próprio Faial não é de gente do Faial. Eles vêm de fora ocupar os lugares.
O processo autonómico falhou?
EA: Foi uma decepção.
Não cumpriu os desígnios inicialmente traçados?
EA: Não cumpriu.
Em relação à paisagem da vinha classificada como património da UNESCO e à eleição da paisagem vulcânica como uma das 7 Maravilhas…
EA: Não sei responder a esta pergunta porque não sei o que é que o Pico vai lucrar. Turisticamente não sei quais as vantagens a tirar. Os turistas vêm na lancha da manhã, sobem o Pico e voltam à noite para o Faial. É preciso agentes operadores no Pico para obrigar as pessoas a cá ficar.
É preciso obrigar as pessoas a pernoitarem na ilha?
EA: Evidentemente. O que se vê é a ampliação do Porto da Madalena para assegurar ligações com o Faial.
A Madalena não vai lucrar com as reparações no Porto. Quando trabalhei na Madalena as camionetas iam a cima do cais apanhar os turistas para uma volta à ilha e nem paravam no centro da vila. Insurgi-me contra essa situação pedindo ao presidente da Câmara que obrigasse as pessoas a descerem da camioneta no centro da vila. Julgo que hoje continua a ser o mesmo. O que lucramos com este tipo de turismo?
Nas Lajes nem sequer entram na rua principal. Um turismo assim organizado não dá garantias de futuro.
Excertos da entrevista de David Silva Borges In Ilha Maior de 8 de Outubro de 2010