quinta-feira, 6 de março de 2008

No País dos Sacanas

Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glandulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.



Jorge de Sena (1919-1978)
Filho tardio e único de Augusto Raposo de Sena, natural dos Açores e comandante da marinha mercante. Teve uma infância retirada e infeliz, tendo feito a instrução primária e os primeiros anos do liceu no antigo Colégio Vasco da Gama e o curso liceal no Liceu Camões, onde foi aluno de Rómulo de Carvalho.
Na Faculdade de Ciências de Lisboa efectua os estudos preparatórios para entrada na Escola Naval, com altíssimas classificações, sendo a ela admitido em 1937.
Após uma "viagem de instrução" no navio-escola Sagres, é-lhe recusado o acesso a Oficial de Marinha, por falta de perfil necessário. Dessa ferida jamais se curará, visto o mar e o que este supõe de "andanças" ter-lhe sempre sido uma profunda atracção.
Jorge de Sena opta, então, pela engenharia civil, no Porto. Conclui o curso em 1944, mas, antes, publicara o seu primeiro livro de poesia, Perseguição, que passou quase despercebido.
Participou num golpe revolucionário abortado que poderia vir a ter, eventualmente, consequências, o que o levou a fixar-se entre 1959 e 1965 no Brasil, ano em que a situação política neste país o leva a mudar-se para os Estados Unidos.
Nos Estados Unidos, Sena começou por aceitar o cargo de "visiting professor" na Universidade de Wisconsin, sendo, em 1967 nomeado catedrático do Departamento de Espanhol e Português. Em 1970 mudou-se para Santa Barbara, onde foi nomeado catedrático efectivo do Departamento de Espanhol e Português e director do Departamento de Literatura Comparada. Aí viria a falecer em 4 de Junho de 1978.

Adaptação livre de Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. IV, Lisb

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