quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Um outro 25 de Abril

Foto retirada de http://www.ribeiras.com/



A festa de São Marcos patrono dos maridos enganados

Um curioso apontamento sódico das cinco ilhas mais aconchegadas, São Jorge, Faial, Pico, Flores e Corvo, onde predominou a colonização flamenga, é a festa de São Marcos, patrono dos maridos que não podem contar com a fidelidade das mulheres.
A 25 de Abril arma-se em determinada casa um altar, tendo ao alto um corno ou uma coroa de cornos com apropriada ornamentação. A Irmandade de São Marcos, que de tal festa se ocupa, é composta por homens casados, que não devem afronta a suas mulheres. Durante o dia festivo não falta quem se encarregue de chegar à rua, tentando convencer aqueles que vão em seu caminho a vir beijar o corno. Com os protestos indignados dos que não aceitam o convite, começa a galhofa.
À noite, realiza-se a procissão com a coroa levada sob um lençol em forma de pálio, em que a raspa de corno faz as vezes de incenso. Por entre berreiro ensurdecedor, vai procurando as ruas e parando diante de certas casas de seguro ou suposto motivo.
Aqui reside o maior interesse desta desusada festarola, quando as mulheres vêm à janela, em destemperado palavrório, defender a honra dos maridos e insultar os que vão no préstito.

http://km-stressnet.blogspot.com/2007_07_15_archive.html

Nas minhas divagações pela net deparei-me com este belo texto sobre uma tradição que, julgo, já estará perdida.
Apesar do seu autor não ser açoriano, penso que soube captar muito bem o espírito desta tradição.

Lembro-me bem destes rituais, que assistia de longe, com muita curiosidade, e que sempre me intrigaram.
Como era possível a sua existência, julgo que até finais dos anos setenta, numa comunidade tão conservadora como as Lajes?
Como era possível num meio tão pequeno, onde tudo era escondido porque todos dependiam uns dos outros, haver tal delírio?

Não sei responder, mas penso que os mais velhos sabem. E que será uma pena se desaparecerem alguns destes relatos, provavelmente muito antigos. Claro que deve haver omissão de nomes/locais para não ferir susceptibilidades.
Pois, só assim, seria possível ter um conhecimento mais profundo de todas estas representações sociais que pretendiam lidar com situações complexas, e talvez mesmo resolvê-las, expurgando-lhes o drama e estigma.

E talvez assim, os humanos, perante a inevitabilidade de certas leis naturais, fossem levados a concluir que o Criador, a existir, deve ter um grande sentido de humor.

3 comentários:

Juliana Couto disse...

Muito curioso. Nunca tal tinha ouvido falar...

Lídia Bulcão disse...

Já tinha ouvido falar nessa festa do corno e tive até o privilégio de ver o dito cujo, religiosamente guardado na adega de uns amigos. Julgo, por isso, que nas Ribeiras a tradição ainda se mantém, ainda que não tão viva. Afinal, se calhar hoje há mais vergonha do que antigamente...

Anónimo disse...

Paulo, lembro-me perfeitamente desse dia. Ai daquele (casado) que não quisesse beijar era sinal de que "era mesmo corno", diziam-nos os mais velhos. Num ano, um certo cidadão que morava no fim da rua Machado Serpa, para os lados do "cerrado da barra" negou-se a "honrar o corno". Resultado: Ao anoitecer, durante nove dias (novenas) Um grupo de folgazões, capitaneados pelo Sr. Manuel Xavier, deslocavam-se da Rua Nova (Casa de Pasto do Manuel Domingos) até à porta da dita casa e aí resavam umas quaxdras alusivas ao dito cujo "cornudo" sem nunca referirem o nome do "coitado", razão pela qual não poderiam ser invectivados...