sábado, 1 de novembro de 2008

Um dia será que chegará a todos por igual


O Morto Contente

Numa terra a engordar, com caracóis, bem dura,
Quero eu próprio cavar o buraco profundo,
Onde possa estender minha velha ossatura,
E dormir em sossego, esquecido do mundo.

Odeio o testamento e odeio a sepultura;
E a imolar compaixão, qual o vil vagabundo,
Antes quisera ver minha carcaça impura
Viva ainda servir de pasto ao corvo imundo.

Vermes! larvas brutais, sem olhos, sem ouvidos!
Vede entregar-se a vós um morto descuidado.
Filhos da podridão, asquerosos e tortos,

Sem piedade minai meus restos corrompidos;
E dizei-me se pode ainda ser torturado
Este corpo sem alma e mais morto que os mortos!

Charles Baudelaire (1821-1867) tradução de Pedro da Silveira

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